Vindo do Guarujá, litoral sul aqui de SP, Caio Bosco começou na música com o projeto de hippie-hop Radiola Santa Rosa.
À partir de 2008, a paleta do rap já não apresentava mais as cores vislumbradas pelo então MC Caio 'Dubphones', e daí em diante, 'em um processo de total imersão e disciplina', como dito em seu release, Caio passou a trabalhar em seu primeiro trabalho solo.
O resultado foi o entorpecente Diamante EP, onde os beats e samples deram lugar à canções mais complexas, recheadas de referências (talvez a mais notória seja Walter Franco), guitarras psicodélicas e um clima lisérgico praiano nunca antes visto na música brasileira.
A seguir, a entrevista que o cara (gente finíssima, por sinal), concedeu, via email, ao Pequenos Clássicos Perdidos.
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P.C.P: Como e quando você passou a ser movido à música?
Caio Bosco: Acho que desde que eu nasci. Lembro bem (meus pais também me ajudam a lembrar), eu pequeno mexendo nos gravadores de rolo do meu pai, quebrando todos os botões, brincando com o violão dele. Meu pai é músico (sanfoneiro dos bons), vê-lo emocionando as pessoas foi o start da magia. MInha mãe diz que escutou uma lenda que diz que quando se corta pela primeira vez as unhas de um bebê, onde você por essas unhas é para onde essa criança irá enveredar no futuro. E não é que minha mãe pos minhas unhas no buraco do violão? O fato é que eu sempre fui atraído intensamente por essa magia feminina chamada música.
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P.C.P: Desde o Radiola Santa Rosa dá para perceber as mais diversas influências sobre seu som (musicais, literárias e até cinematográficas). Fale um pouco sobre essas influências.
C.B: Sempre me senti inadequado dentro da instituição escola (na adolescência daria a vida para não ter que ir mais para o colégio. Mas minha mãe com muito juízo nunca me deu ouvidos), ao mesmo tempo sempre adorei estudar, sempre estudei, desde pequeno gosto da ideia de que pesquisar música é algo como pesquisar outro planeta.
Ess mesmo gosto por pesquisa sempre tive no cinema. Gosto de filmes produzidos em lugares distantes (África, Ásia, Alasca) e o mesmo sinto por livros. Gosto de Amos Tutuola, Gary Snyder, Kerouac. Às vezes gosto de comparar meu trabalho de músico e pesquisador ao de um antropólogo.
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P.C.P: Falando ainda sobre o Radiola Santa Rosa, por que você decidiu partir para um trabalho solo e como foi a transição do hip hop, base principal da sonoridade do grupo, para o som mais elaborad e lisérgico do EP Diamante?
C.B: Foi o processo mais difícil que passei até agora. O Radiola estava seguindo um caminho bacana quanto ao som, público, gente falando bem e etc, mas eu não me via mais dentro de um sistema Rap, não me interessava mais. AMO hip hop, para mim uma das culturas mais fascinantes de serem saboreadas, mas definitivamente não era o que meu coração estava pedindo para eu seguir.
Com o Radiola bem no comecinho, sampleando que nem um doido, descobri o que sempre existiu em mim, o amor pelo blues, rock e todas as músicas da alma, sempre amei essas músicas, desde menino. Foi a hora de desenterrar a minha guitarra e violão, compor e experimentar. Primeiro comecei ensaiando as minhas canções com o DJ Beto e o Sandrinho (percussionista do Radiola), eu estava fazendo aquelas canções pensando em um terceiro disco do Radiola Santa Rosa. A gravadora que já queria fechar as portas (e fechou, o que acarreta em um problema danado de direitos autorais), mas mesmo assim cedeu o estúdio. Eu ainda não estava feliz, sabia que não era ali que eu deveria estar: com a minha vontade intensa de não cantar mais rap, com a minha paixão pelo soul e pelo rock me motivando cada vez mais, com um selo prestes a fechar, com um estúdio cheio de regras e frescuras, decidi que a mudança estava somente em mim e que estava na hora de seguir uma carreira solo. Depois foi só me trancar com alguns instrumentos, efeitos e produzir as minhas gravações.
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P.C.P: Como é a cena musical no Guarujá? Rolam lugares para tocar, existe uma estrutura ou as coisas funcionam à base do do it yourself?
C.B: O Guarujá não tem cena, por isso é tudo do it yourself. Se quero fazer um show, eu mesmo tenho que produzir.
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P.C.P: Como você encara a equação música X internet? A rede tem sido um bom canal de divulgação e uma boa plataforma para você lançar seu trabalho?
C.B: Um dos casamentos mais bonitos da história da arte, na minha opinião. Tenho comunicação direta com meu público, com quem gosta da minha música de verdade.
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P.C.P: O que você pensa sobre a indústria fonográfica e os direitos autorais?
C.B: A música no futuro vai ser só para os fortes, brother, pode apostar. No começo de dezembro fui até a Feira da Música Brasil 09, em Recife. A mudança no cenário fonográfico é tão grande que todos nós, do pequeno ao grande estamos perdidos. Uma nova realidade está a caminho, e creio que só o artista trabalhador terá vez, o que será divino.
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P.C.P: Você tem conseguido sobreviver de música? tem algum trampo paralelo?
C.B: Eu vivo da música ganhando dinheiro ou não, ela é meu oxigênio. Mas tenho um trampo paralelo sim, sou professor de música em uma escola particular em Santos. É um prazer incomum também lecionar, é um teatro lotado todos os dias. Ensino sobre funk, dub, música brasileira, do mundo, hip hop, rock, blues e eletrônica para alunos do maternal ao terceiro ano do ensino médio.
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P.C.P: Agora em 2010 chega o primeiro álbum. Dá pra adiantar alguma coisa sobre ele?
C.B: Serão músicas das mesmas sessões do Diamante, e tenho fé que será um crescimento gradativo, mais um degrau.
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P.C.P: A brisa da praia ajuda na hora de escrever as músicas (risos)?
C.B: Sem dúvida alguma. Nem preciso entra no mar, basta sentir a brisa.
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P.C.P: Esta é uma pergunta bem pessoal. Você é ligado ao budismo ou a outra filosofia oriental?
C.B: Sou ligado ao budismo e ao Tai Chi Chuan. Atualmente ando com uma vagabundagem que nem é digno dizer que sou budista e pratico Tai Chi, mas essas filosofias são fundamentais pra mim, só preciso estudar mais.
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P.C.P: Pra terminar. Caio Bosco por Caio Bosco:
C.B: Um soldado do blues, um servo do amor e um cara que adora cantar sozinho para a lua.
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